Percepção do alimento vai além do paladar, explica filósofo britânico

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No festival da Transformação, na ESPM, em Porto Alegre, Barry Smith diz que paladar não é único responsável pela experiência gastronômica.

Omar Freitas / Agencia RBS

Estudos sobre os sentidos liderados por Barry Smith revelam que as percepções diferem entre as pessoasOmar Freitas / Agencia RBS

O paladar costuma ficar com todo o mérito, mas o filósofo britânico Barry Smith demonstrou ontem, em palestra durante o Festival da Transformação, que a maneira como percebemos a comida é um grande trabalho de equipe. Nesse esforço coletivo, as papilas gustativas são um entre múltiplos agentes envolvidos. Smith é fundador do Centro para o Estudo dos Sentidos, da Universidade de Londres, e promove colaboração pioneira entre filósofos, psicólogos e neurocientistas. Pesquisas ajudaram a lançar luz sobre os sentidos e a experiência gastronômica.

Na palestra proferida no auditório da ESPM-Sul, em Porto Alegre, Smith observou que os receptores na língua, em contato com o alimento, conseguem apenas dizer ao cérebro se o sabor é doce, salgado, azedo, amargo ou umami.

A riqueza da sensação que temos ao abocanhar um naco de carne ou sorver um vinho dependerá também da visão, do olfato, do tato e mesmo da audição. Segundo ele, é essencialmente multissensorial.

– Quando se fala em comida, as pessoas ficam focadas no alimento em si, e não na experiência. Trabalho para mostrar a oculta complexidade que há no gosto, porque negligenciamos nossos sentidos. Felizmente, não podemos desligá-los – disse Smith.

“Quando se fala em comida, as pessoas ficam focadas no alimento em si, e não na experiência. Trabalho para mostrar a oculta complexidade que há no gosto, porque negligenciamos nossos sentidos. Felizmente, não podemos desligá-los”.

Além dos cinco sentidos tradicionais, hoje os cientistas citam outros 22 ou 23, em geral imperceptíveis. Por exemplo: no cinema quando temos a sensação de que os sons saem da boca do ator, na tela à frente, quando na realidade vêm de alto-falante às nossas costas, está em ação o ventriloquismo. Esses sentidos diversos influenciam a percepção da comida. Smith citou o caso de uma pimenta originária da China, que gera espécie de eletrificação na boca. Na verdade, ela faz os receptores da língua vibrarem a 50 Hz – a impressão é de uma vibração, que pode ser suprimida apertando a língua.

Omar Freitas / Agencia RBS

Smith ressalta que as pessoas não sentem o sabor da mesma formaOmar Freitas / Agencia RBS

O britânico também sublinhou que cada pessoa experimenta os sabores básicos de forma distinta, o que está relacionado com a quantidade e com a distância das papilas gustativas que têm na língua. Um indivíduo com papilas mais próximas, por exemplo, sentirá muito mais facilmente o sal presente em um alimento.

– Por isso, não discuta com a pessoa amada, se ela achar que tem pouco ou muito sal na comida. Vocês são diferentes. Vivem em mundos gustativos distintos. As pessoas não sentem o sabor da mesma forma – disse Smith.

O Festival da Transformação ocorreu no final de semana e contou com mais de 450 atividades nas áreas de marketing, inovação, empreendedorismo e cultura. Cinco profissionais do Grupo RBS, patrocinador do evento, palestraram: a repórter da RBS TV Carol Anchieta, a gerente de Jornalismo da RBS Caxias, Andréia Fontana, o comunicador da RBS Arthur Gubert, a gerente de Produto Digital da RBS Sabrina Passos e o analista de Planejamento Comercial da RBS Pedro Ortiz.

Além das papilas gustativas

Olfato

Smith observou que temos a tendência de confundir o paladar com o olfato, minimizando o papel deste sentido em relação àquele:

– Nós não temos receptores para o sabor de morango na língua. Então, como sentimos o gosto do morango? Isso vem do olfato. É por causa desse mecanismo que muitas pessoas idosas, que estão com o olfato enfraquecido, costumam se queixar de que já não sentem o sabor do alimentos – exemplificou.

Existe inclusive um fator cultural envolvido nas percepções, observou o filósofo e pesquisador. No Ocidente, quando cheiramos baunilha, dizemos que se trata de um cheiro doce, porque ela normalmente é usada em alimentos doces, como sorvetes. No Oriente, onde isso não acontece, o cheiro será descrito como salgado.

Outra particularidade do olfato na alimentação, explicou Smith, é que as moléculas que produzem o cheiro podem chegar ao cérebro pela boca ou pelo nariz. Conforme o caminho que fazem, a interpretação será diferente. É por isso que um queijo fedorento pode ser delicioso e que o sabor do café quase nunca está à altura do seu aroma.

Visão

Basta reparar na avidez com que postamos e apreciamos fotos de comida nas redes sociais para concluir que a visão não é secundária, quando se trata de alimentação. Olhar para a comida não só gera expectativa sobre o sabor, como interfere na experiência.

Experimentos científicos demonstram isso. Um trabalho revelou que, quando um mesmo quitute é servido em um prato branco e em um prato vermelho, as pessoas avaliam que o acepipe do prato branco é mais saboroso. Elas, inclusive, comem maiores quantidades, se o prato for branco. No caso de sorvete, ele será percebido como mais doce em um pote branco do que em um preto.

Outra pesquisa revelou que as pessoas estão dispostas a pagar mais caro se o alimento estiver no centro do prato. Smith contou que, certa ocasião, a Coca-Cola lançou uma versão transparente da bebida, com o mesmo sabor. Mas o público rejeitou, dizendo que não tinha gosto de Coca-Cola. Em outro estudo, feito na década de 1970 em Londres, foram servidos pratos na penumbra, e as pessoas avaliaram o alimento como delicioso. Quando se acenderam as luzes e revelou-se que a comida servida era azul – uma cor que não associamos à culinária –, as mesmas pessoas rejeitaram a iguaria e passaram a sentir ânsias de vômito.

Tato

– Comemos primeiro com os olhos. Depois, com os dedos.

A textura é muito importante na comida – observou Barry Smith.

O filósofo contou sobre um experimento envolvendo sorvete – e que também foi confirmado com outros tipos de alimentos ou bebidas. Quando se dava um tecido de veludo para a pessoa que estava comendo, ela sentia o sorvete como mais macio. Trocando o veludo por velcro, a sensação era de aspereza na boca.

Tocar com os dedos ajuda a sentir sabores. Pessoas vendadas que experimentaram uma espécie de geleia de pepino – textura que não costuma estar associada a esse alimento – não conseguiram dizer o que estavam comendo. Mas quando se colocava em sua mão um pedaço de pepino, percebiam na hora do que se tratava.

Um colega de Smith teve a ideia de servir o mesmo sorvete em dois potes iguais, com a diferença de que um deles tinha ferro no fundo e, por isso, pesava mais. Ainda que fosse o mesmo produto, quem experimentou dizia que o sorvete do pote pesado era mais gostoso.

– Os produtores de vinho estão usando muito isso. As garrafas estão ficando cada vez mais pesadas. Porque as pessoas estão dispostas a pagar cinco dólares extras por algumas gramas a mais de peso – revelou Smith.

Audição

Quem vai a um restaurante barulhento terá uma experiência pior em relação à comida – e abreviará a refeição, comendo mais depressa. É por isso que, em Nova York, já há restaurantes com funcionárias cuja única função é andar entre as mesas e, quando a conversa se torna ruidosa, emitir o tradicional apelo para que se baixe o volume:

– Shhhhhh!

Da mesma forma, a barulheira dentro de uma aeronave é uma das razões principais para que a comida de avião seja considerada horrível – a dica de Smith é fazer a refeição com um fone enfiado nos ouvidos.

Mas a influência auditiva vai além do ambiente. O som efervescente do espumante ou da barra de chocolate que se rompe também interfere na sensação. Consciente desse fenômeno, uma grande empresa de sucos patenteou o estalo que a tampa de seu produto faz ao abrir. Uma pesquisa interessante sobre o tema diz respeito a salgadinhos deixados alguns dias fora da embalagem. Comidos nessa condição, amolecidos, pareciam intragáveis. Mas bastou que os voluntários do experimento colocassem um fone de ouvido que emitia o ruído típico de batatinha crocante para que o sabor original voltasse a ser percebido.

Fonte:  GZH Ciência e Tecnologia.

Para acessar a meteria completa acesse: https://gauchazh.clicrbs.com.br/tecnologia/noticia/2018/11/percepcao-do-alimento-vai-alem-do-paladar-explica-filosofo-britanico-cjoxhjvio0gjw01rxevh2hln8.html

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